O meu avô materno era um homem extraordinário. Não só pintava lindamente, o que me deixava intrigado quando o visitava no atelier e ele iniciava um novo quadro, como era um ser humano que viveu a vida em pleno. Sentava-me numa pequena cadeira a seu lado, cadeira que ele adquiriu especificamente para os netos que adorava, e observava em silêncio como a tela branca começava a ganhar forma. Adorava o cheiro das tintas, a combinação das cores na paleta, toda uma arte que, para mim, era do outro mundo. E ele lá estava, paciente, explicando o que fazia e respondendo, conforme podia, às perguntas do fedelho.
Era um homem bom, mas com o seu génio...todos o temos! Adorava os animais que o veneravam. Ele pintava e os cães e gatos dormiam, erguendo, de tempos a tempos, as suas cabeças a contemplar o dono.
Como já vos disse, fui um miúdo habituado a viver na rua, entre casas de amigos e no atelier do meu avô. Recordo muitas vezes que era o refúgio seguro quando fazia asneiras ou escapava a uma pancadaria.
Ele não gostava de choros...era um homem que estava sempre a sorrir. Por isso, libertava o verbo:
- Rapaz, quando alguém quiser andar à pancada contigo, deves ser o primeiro a dar!!! remédio santo!!!
Eu ouvia esta afirmação dita por aquele homem que admirava, mas não era fácil praticar a premissa.
Um dia cheguei ao pé dele a chorar...olhou-me, viu o sangue nas mãos e perguntou:
- Deste primeiro? e eu menti.
- Sim.
- Então porque estás a chorar? são os nervos...pronto, deixa-te ficar aqui abraçado ao avô.
Bem amigos, o prazer daqueles braços fortes a cheirar a tinta ainda hoje me invade.
Por esse motivo, tenho muita dificuldade em ver a minha filha chorar. Sei perfeitamente que eles são uma poderosa máquina de manipulação de sentimentos que nos deixam sempre com a sensação de culpa...principalmente quando é uma menina. Perdoem-me os pais de rapazes, mas uma menina é uma menina...
Este post deriva de um episódio que se passou recentemente.
A minha filha está na fase em que percebe o poder do choro e das lágrimas ao ponto de as fazer "saltar" literalmente dos olhos. Como ela sabe que normalmente ignoro os choros e pedidos de súplica como quem vai para o cadafalso, ela, nesse dia, agarrou-me a mão e apontou para as lágrimas que corriam qual cataratas de Niagara...e disse:
- Vês pai, vês pai!!!
a minha vontade de rir era tanta que apenas retorqui:
- Filha, isso passa. Logo que cresças, o pai coloca-te numa escola para actores e trazes dinheiro para a família!
Pergunta: o que fazer quando a nossa filha chora baba e ranho, num drama sem fim?
Resposta: Damos-lhe um pacote de lenços de papel...
Ler este artigo implica esforço, mas permite uma nova perspectiva sobre o choro
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