sábado, 9 de novembro de 2013

As "tias" dão sempre jeito


Há dias em que a luz brilha em tons diferentes. Tenho a experiência, a memória longínqua de visitar o atelier do meu avô e observar o mesmo quadro durante semanas até estar terminado. Nesse percurso temporal, as cores evoluíam, regrediam, sempre numa cadência natural como o relógio de parede que decorava o espaço. Nada era estático e tudo ganhava vida para um miúdo atento e sedento de conhecimento.
Hoje foi uma noite de ternura. Amigas e amigos recordaram-se de nós e chamaram-nos para uma noite de partilhas e de intimidades como só os amigos conhecem. Nessa partilha, estava a minha princesa como uma das convidadas de honra, particularmente preocupada na "partilha" dos cogumelos do pai:


- Pai, os cogumelos são meus! - afirma, desesperada.

- Mas filha, o pai tem uma empresa de cogumelos e são para todos os que querem comer e comprar!

- Mas são meus! - volta a rebater...

Já em tempos recorri ao argumento desgastado de que, para ter brinquedos, o pai precisava de vender cogumelos...vale o que vale e, por isso, adiante. Esta noite era de partilha.

Como já referi, os amigos convidaram, as conversas soltaram-se, iguarias, copos, sorrisos, ternura, e, no limite do sono, a princesa quer sair para ver as estrelas. Ainda a acabar de cozinhar, vejo que uma das "tias" conversa com a pirralha:

- Mas não consegues ver as estrelas porque estão nuvens no céu!

- Que nuvens chatas! Fora, nuvens, fora...quero ver as estrelas!

Nesse momento apareço e procuro o olhar da minha princesa. Ela olha-me, procura a "tia" e diz:

- Pai, pai, não vejo estrelas!

- E a lua, querida? - como sei que ela gosta.

- Não se vê a lua, responde a A.C.

Nesse momento, enquanto a colho nos meus braços, a "tia" alerta...

- Olha a lua a surgir atrás das nuvens cinzentas!!! Pega a tua filha ao colo!!!

E, nesse momento, com a minha filha ao colo e uma das queridas amigas ao lado, vi uma das imagens mais belas dos meus últimos anos. A lua, mesmo ao fundo do horizonte, soltou-se do cinza esbranquiçado de uma nuvem teimosa e, em rasgos rebeldes, prendeu-se no horizonte e no olhar de três gerações.
Há dias em que a luz brilha em tons diferentes. Quisera eu que o meu avó lá estivesse para perpetuar o momento a óleo e tela. Que saudades tuas, mestre!

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