domingo, 13 de outubro de 2013

Troca de identidades


Por vezes, a sexta-feira não tem o sabor que tanto desejamos. Por vezes, a sexta-feira não cheira a fim-de-semana e arrasta-se fazendo-nos crer que quase quase é segunda-feira. Esta sexta-feira foi extenuante ao ponto de me vergar até bater no chão, desejando desesperadamente a cama, a noite tranquila, no que de tranquilo pode ter a noite de um pai. 
Enquanto conduzia entre filas e filas de carros, massacrado por um sol que adoro, mas que ao final do dia fere o olhar cansado, passou-me brevemente a ideia de que não precisava de ir ao infantário buscar a minha filha. Mas foi mesmo brevemente porque a ideia era apenas uma ilusão causada pelo cansaço, talvez um desejo de quebrar a rotina, ainda que adore o momento de chegar à escola e observar, discretamente, como a minha princesa se movimenta entre amigos e educadoras.

Cheguei ao destino diário, desliguei o carro e senti novamente a dor de costas que me consome nos últimos tempos. Espero que a minha filha não me peça...

- Colo papá! preciso de colo! - mal a vejo correr na minha direcção. Parece que adivinhou o meu pensamento, talvez tenha interpretado a minha postura corporal, talvez já queira queimar a minha cabeça, talvez esteja mesmo cansado.

- Filha, hoje não. Estou com dores de costas!

- Tens um dói dói, tens pai?

- Sim, tenho...

- Papá, quero colo! - expirei profundamente, na certeza da insensibilidade dos pequenos.

- Filha, já te disse que me doem as costas. Vamos pela mão.

- Papá, quero colo! por favor! - elas sabem como nos levar...elas sabem. Mas desta vez estava determinado...e cheio de dores.

- Querida, hoje eu sou a filha e tu o pai. Pode ser?

- Pode papá! - sorriu de entusiasmo...

- Então podes-me levar ao colo? - disparei rapidamente.

- Mas tu és grande e eu sou pequena...não posso.

- Mas filha, eu hoje sou pequeno...sou a filha e tu o pai.

- Não és nada pequeno! estou a ver...és uma filha grande! - rebateu com convicção.

Raio de sexta-feira! nem o método adoptado surtiu efeito. Peguei-lhe na mão e comecei a cantar uma música que agora está no seu top:

a roda do autocarro roda roda, roda roda, roda roda, a roda do autocarro roda roda, pela cidade...por momentos pareceu-me ouvir: as costas do papá doem doem, doem doem, doem doem, as costas do papá doem, doem, todo o dia...

Olhei o rosto da minha filha pelo espelho retrovisor. Vi o seu rosto alegre e o olhar de felicidade enquanto encenava a canção que nos acompanhou até casa, mas não consegui deixar de ouvir persistentemente a minha versão da música como quando um tema pimba nos massacra sem piedade.

Pergunta: O que fazer quando a nossa filha quer colo, mas estamos exaustos?

Resposta: Manter a forma!





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